Tenho ceratocone, e agora?
O ceratocone pelo olhar de quem viveu o medo de perder a visão.
Tenho ceratocone, e agora? Fernanda de Carvalho Fonseca tem 40 anos, é relações públicas, casada, mãe da Sophia e do Mathias. Ela descobriu o ceratocone quando tinha 20 anos. Hoje, a sua condição ocular está estável, mas quando descobriu que tinha o problema na córnea, teve muito medo de perder a visão ou precisar de um transplante. E tudo começou em uma consulta médica, quando “a relação de amor e ódio” entre a jovem e os óculos falou mais alto.
Na época, Fernanda usava óculos para correção do grau, já que também tinha astigmatismo. E foi bem por acaso que ela descobriu que sua córnea tinha um formato de cone, assim como também descobriu “quase sem querer” em um “ponto de ônibus” que tinha dificuldades para enxergar de longe. À noite então, era quase impossível. E tudo fez sentido quando percebeu que o mundo era bem mais nítido e visível com as lentes.
“Desde a escola, quando estava na quarta ou quinta série, tinha dificuldade de enxergar no quadro. Só que naquela época a gente era mais inexperiente e eu não sabia o que era ou o que poderia ser. Então, achava que bastava eu sentar nas primeiras fileiras que daria tudo certo. Então, eu mudava de lugar e isso resolvia o meu problema. De criança, minha mãe nunca foi de levar no médico, no oftalmologista, e tive dificuldades na escola, mas não sabia explicar ou expor isso. Quando estava com 14 anos, percebi que realmente não estava enxergando bem de longe, porque peguei um ônibus errado. Lembro desse dia como se fosse hoje.”
Fernanda, então, contou a sua mãe que tinha pegado o ônibus errado e ela, finalmente, resolveu levar a filha ao médico oftalmologista. O exame foi feito e a relações públicas foi diagnosticada com astigmatismo. Dali em diante, Fernanda começou a fazer os controles. “Eu não enxergava nada, absolutamente nada. A noite então, eu não conseguia ver o rosto das pessoas direito, eu via muito distorcido e custava a entender quem eu estava cumprimentando. E teve muitos impactos na escola e na prática de esportes. Entre 19 e 20 anos, em uma fase mais vaidosa, eu não gostava de usar óculos e nunca saía com os óculos de grau, porque achava que não combinava.”
“E foi aí que decidi fazer uma cirurgia para fazer a correção do grau. Eu queria ficar livre dos óculos. E uma amiga me contou que o irmão dela havia feito e parecia que nunca tinha tido problemas para enxergar. Era isso que precisava! E eu queria muito fazer a cirurgia. Marquei a consulta, fui até a clínica e contei para o médico qual era o meu objetivo, o que eu precisava, o que eu queria, que era fazer essa correção para não precisar mais usar óculos.”
Porém, Fernanda foi impedida de fazer a cirurgia corretiva. O problema dela ia além do astigmatismo… ele estava na córnea. “Eu fiquei muito preocupada naquele momento. Foi onde tudo começou. Fiz alguns exames de fundo de olho, outros mais específicos e a primeira coisa que o médico me falou foi sobre a estrutura da minha córnea, que era um pouco curvada para fora do olho, semelhante a um cone. A minha córnea ficou como um bico, como um cone”, conta.
O ceratocone de Fernanda tem fundo genético. Ou seja, a grande causa para que, aos poucos, a córnea dela tenha assumido um formato de cone foi uma deformação gradual e natural causada por questões específicas de seu próprio organismo. Porém, naquele momento, uma pergunta bem clássica quando se tem o diagnóstico de ceratocone foi feita: “você coça muitos olhos?”.
Isso porque, sim, por mais inofensivo que pareça, coçar os olhos pode acelerar a deformação da córnea para o formato de um “cone”.
Nesta entrevista para o Visão Para o Futuro, Dr. Ricardo Guimarães, médico oftalmologista e uma das maiores referências em visão no mundo, explica: “O hábito de coçar os olhos desorganiza as camadas do olho e compromete as estruturas responsáveis pela visão: a córnea e a retina.”
De fato, Fernanda, apesar de não ter alergia aparente ou condição adversa que provocasse a coceira extrema, coçava, sim, os olhos com frequência como um hábito corriqueiro, vindo desde a infância, momento da vida em que a pequena Fernanda, nem a sua mãe, pensavam nas consequências sérias que o mal hábito de coçar os olhos poderia ter na visão.
Do medo à informação
Na descoberta do ceratocone, os sentimentos foram muitos… medo, angústia, preocupação e a sensação de “e agora, o que eu faço?”. Afinal, Fernanda estava lidando com uma doença silenciosa, sem cura e capaz de causar cegueira. “Quando a minha ficha caiu, fiquei perplexa”. Entre conversas com o médico, ele retornou ao assunto que fez a jovem descobrir o ceratocone: a cirurgia corretiva.
“Ele me disse o seguinte: vamos fazer o controle e acompanhar para ver qual grau você vai ter, para ver se vai aumentar ou não, e vamos mantendo o tratamento para você ter qualidade de vida. Você não pode fazer cirurgia. Se você fizer agora para corrigir o astigmatismo, você vai piorar a sua visão, vai ficar com mais visões embaralhadas, porque, nesse ponto, em que seu problema está na deformação da córnea, a cirurgia fará o efeito contrário’”. Fernanda, então, desistiu de vez da cirurgia refrativa e quis saber mais sobre os seus possíveis tratamentos para o ceratocone.
Entre as opções dadas, uma delas foi o implante de um anel para estabilizar o grau, caso ele aumentasse muito. Não que isso fosse corrigir definitivamente a visão de Fernanda, fazendo com que ela passasse a enxergar perfeitamente sem óculos ou lentes de contato. O tratamento seria feito para estabilizar a evolução do ceratocone para que não causasse a cegueira, por exemplo. O transplante seria a última opção. Porém, como Fernanda tinha o grau I da doença, seu tratamento foi o mais simples possível: usar óculos. “Passei a usar os óculos com mais frequência, e fui fazendo os tratamentos. Na época, sugeriram uma lente rígida, já que eu queria tirar os óculos, só que não adaptei de jeito nenhum, parecia que tinha vidro no meu olho.”
“Ressecava muito. Para mim, era um problema, eu não dava conta, irritava muito os meus olhos e eu acabei tendo mais ainda o hábito de colocar as mãos nos olhos do que antes, e me prejudicou muito mais. Aí vimos que não estava dando certo, o meu olho estava ficando muito irritado, não adaptei, e permaneci com os óculos e continuei o acompanhamento médico”, conta.
A Fernanda, que antes mal sabia o que era o ceratocone, precisou conhecer a fundo a doença e de uma maneira nada agradável. Porém, segundo ela, foi a informação que trouxe paz ao seu medo. “Depois que descobri o quadro, pesquisei mais sobre e comecei a entrar mais a fundo no assunto. A coisa ficou mais séria. Vi vários depoimentos de pessoas que ficaram cegas. Foi aos poucos que fui tendo informações. E fui ficando preocupada. Eu pensava: ‘como que eu vou fazer se precisar de um transplante?’. Fui pensando em tudo.”
“E realmente fiquei preocupada, porque como é uma doença silenciosa, hoje posso estar com um grau, mas amanhã ou no outro mês, o grau pode estar altíssimo, porque pode ser acelerado. Tive medo e me perguntei várias vezes se daqui a 10 anos estaria enxergando. Mas, além das informações, o médico também me acalmou, apesar de sempre nos preocuparmos a cada novo aumento de grau. Mantive a minha confiança, sou uma pessoa muito otimista e sempre disse que essa condição não iria para frente. E hoje está estável. Depois dos 30 anos, eu não tive mais aumento.”
A estabilização do ceratocone de Fernanda, é um fato comum. Segundo Dr. Ricardo Guimarães, o ceratocone para de evoluir por volta dos 45 anos, quando a córnea começa a ficar mais rígida em função do nosso envelhecimento.
Do ódio ao amor pelos óculos
Mas, nessa luta diária, um grande aliado de Fernanda foi mesmo os óculos, antes odiados, e hoje amados e considerados como fieis companheiros. “Passei a gostar de usar óculos a partir do momento em que eles eram a minha única saída, a única coisa que me ajudavam a ver bem. Eles não me causavam nada e me faziam enxergar muito bem, uma nitidez da vida. A partir desse momento, comecei até a customizar meus óculos.”
“Queria óculos diferentes e comecei a usar como acessório, até mesmo os mais coloridos. Agora, eu não fico sem óculos. E eles são os acessórios principais. Quero os mais bonitos, diferentes e modernos. É uma coisa que faz parte da minha vida pare me fazer bem. Hoje, acho até estiloso. Além disso, meus hábitos foram todos voltados para o cuidado. Eu mudei algumas manias para me cuidar, como não ficar colocando as mãos nos olhos, fazer um controle rigoroso e trocar o grau dos óculos. E esse cuidado já virou hábito. Uma rotina para cuidar do problema que tenho. Nas minhas consultas de check-up, sempre marco também o oftalmologista.”
Um olhar atento de mãe
Mãe da Sofia, de 13 anos, e a espera do pequeno Mathias, Fernanda diz para si mesma que tomará todos os cuidados e se informará para não deixar que os filhos sofram tanto tempo com um problema na visão sem saber. Afinal de contas, o melhor aliado da boa qualidade de vida, mesmo com uma doença ou distrofia, é o diagnóstico precoce, ainda no início da manifestação do quadro. Sofia, a filha mais velha da relações públicas, inclusive, teve as primeiras prevenções logo após chegar ao mundo.
“Fiz todos os exames justamente para identificar se havia algum indício. E graças a Deus estava tudo certinho com a visão dela. Eu sempre tive um cuidado maior e, sempre que marcava pediatra, já marcava oftalmologista também. Mantinha esses dois controles. Repetimos os exames com ela mais crescida, e ela estava enxergando bem. Só no ano passado que ela se queixou de estar com dificuldade de enxergar no quadro. E realmente ela está com um grau pequeno para longe, mas era miopia. E não tem nada relacionado ao ceratocone. E hoje ela já faz o uso dos óculos.”
Com Mathias, Fernanda pretende repetir os cuidados que teve com Sofia. “É uma coisa que está presente na minha vida, e eu acabo levando para eles também”, comenta. E ela deixa uma dica para outras mamães de plantão, com ou sem ceratocone: “faça os exames o quanto antes, bem novinho mesmo, porque é qualidade de vida para os filhos. E não vai impactar, como me impactou quando nova. O controle com o oftalmologista é fundamental. Olha o tempo que eu perdi sem saber que a minha visão estava me prejudicando.”
“E quando você não enxerga, incomoda muito. Eu, quando conheci os óculos, vi outro mundo. É diferente. É triste quando não se consegue enxergar, a gente fica meio perdida. Eu falo com a minha filha para ela dar valor a visão dela. E precisamos valorizar as dos nossos filhos com muito cuidado.”
A FERNANDA PARA ALÉM DO CERATOCONE
Nascida em Contagem, Fernanda trabalha com marketing, mas seus hobbies são muitos. Ela conta que ama passear com os filhos, viajar e cuidar da saúde. E, em alguns momentos, o ceratocone impactou a sua vida de alguma forma. Porém, a verdadeira Fernanda, otimista e pronta para resolver problemas e crises, nunca deixou de ser a Fernanda alegre e cheia de qualidade de vida, que pratica esportes e ama cozinhar.
“Sempre fui otimista até diante de problemas e desafios, e sempre acredito que tudo é possível de resolver. Gosto de cozinhar, acho que é um ato de compartilhar, é pegar uma receita e trazer algo especial. É um sentimento, compartilhando o meu prazer para as pessoas terem essa sensação. E sempre gostei de atividades físicas. Sou muito ativa, eu preciso disso. E qualidade de vida é estar bem comigo, minha família e meus amigos. Gosto de viajar, ir ao cinema, ouvir música, estudar, aprender, passear, escolher alimentos. E, mesmo com os sustos e medos do ceratocone, mantive a minha confiança e meu otimismo. Sempre mantive a minha positividade. Isso é fundamental.”