Neurovisão: a ciência de ouvir o paciente

Luana Rodrigues

“Doutor, o paciente está falando. Ouça o paciente!”. Ouvir o que o paciente tem a dizer é um desafio na vida dos profissionais da saúde, que, muitas vezes, não conseguem compreender as queixas.

Essa prática merece ainda mais atenção quando falamos do sistema visual. A abordagem oftalmológica, realizada pela maioria dos médicos, geralmente é feita pela avaliação do olho. Mas, nesse blog, já contamos que para entender de visão é preciso ir além, é preciso entender o processamento visual.

Os distúrbios neurovisuais podem ou não estar associados aos problemas diagnosticados através do exame do olho. Por isso, alguns desses distúrbios não são diagnosticados no exame oftalmologico de rotina.

A médica oftalmologista e especialista em retina, Dra. Juliana Guimarães, compartilhou com o Canal Histórias do VPOF a experiência nos seus primeiros anos na clínica de Neurovisão do Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães. Confira:

VPOF: Quem são os pacientes que você atende na clínica?

JG: Na maior parte dos casos, atendemos os pacientes que fizeram o teste de screening e receberam o pré-diagnóstico da Disfunção Magnocelular. Muitas vezes são pacientes que estão em fase de alfabetização e enfrentam grandes dificuldades de aprendizagem. Também recebemos pacientes que têm grande desconforto, vêem distorções durante a leitura ou que apresentam fotofobia, tem dores de cabeça com frequência ou alterações na orientação visuoespacial. Muitos são profissionais que exercem funções com alta demanda visual, como advogados, contadores e jornalistas, que se sentem sempre cansados, mais do que o normal.

VPOF: Quais distúrbios não podem ser diagnosticados pelo tradicional exame oftalmológico?

JG: Quando estamos estudando oftalmologia, aprendemos mais sobre o olho do que sobre a visão. Aprendemos, principalmente, sobre a visão embaçada ou não embaçada, e a solução, que é usar o óculos. Mas existem muitas outras características da visão que precisamos dar atenção. Tem pessoas que têm dificuldade em enxergar à noite, outras possuem  daltonismo, algumas enfrentam dificuldade de percepção de profundidade e têm as que possuem a Síndrome de Irlen. São muitas questões em torno do processamento visual.

VPOF: A Síndrome de Irlen (SI) pode ser diagnosticada em qualquer idade?

JG: Sim. Muitas vezes as pessoas pensam no estereótipo da criança que tem dificuldades na alfabetização mas, o diagnóstico pode acontecer em qualquer idade. É comum durante a infância devido às dificuldades na escola, por exemplo, a criança não gostar de ler. Mas os sintomas podem ser vários: enjoar quando anda de carro, tropeçar e esbarrar nas coisas com frequência, muitas dores de cabeça, etc.

VPOF: Existem muitas histórias de pacientes que após o diagnóstico da SI ganham uma nova vida. Como você percebe isso nos pacientes na clínica?

JG: Eu adoro meus pacientes, aprendo muito com eles. Muitas vezes, são pessoas de destaque na profissão. Tenho pacientes que são gênios. Tenho aqueles que fazem doutorados e mestrados. As pessoas costumam acreditar que a SI é apenas leitura, mas não é. Temos a criança que não sabe ler, o adolescente que não entende, não compreende e temos o adulto que tem muita fotofobia. Como eu disse, os sintomas são relativos. Em muitos casos, as pessoas são brilhantes, inteligentíssimas e tem um QI elevado.

VPOF: Durante o diagnóstico na clínica, são realizadas avaliações com diferentes profissionais. Como você percebe essa união de conhecimentos em prol de um paciente?

JG: Nós precisamos cada vez mais reunir pessoas de diferentes especialidades e profissões! No caso dos pacientes de SI, existe todo um contexto. Precisamos avaliar o psicológico, o cognitivo, o fonoaudiológico e a parte da pedagogia. Mas a principal questão de manter uma equipe multidisciplinar é para entendermos esse paciente. Ele  não é um paciente normal, pois cada um apresenta uma particularidade. Cada um apresenta um conjunto diferente de sintomas, não dá pra resolver o problema dele sozinho.

VPOF: Qual o seu principal aprendizado no primeiro ano na clínica de Neurovisão?

JG: Acredito que é importante que o médico entenda qual o caminho que ele precisa percorrer para conseguir entender o mundo de cada paciente. Só assim, será possível ser eficiente na intervenção do caso. Eu sempre reforço pra quem é profissional: vamos conversar e comunicar. Escute o paciente! O paciente fala pra você.

O que é Síndrome de Irlen?

A Síndrome de Irlen (SI) é uma condição que dificulta o uso pleno da visão, é caracterizada por um conjunto de sintomas que incluem a fotofobia –  grande desconforto em lidar com a luz, associado a uma dificuldade de se adaptar ao ambiente claro e escuro. Outros sintomas muito frequentes são: dores de cabeça, enxaquecas, distorções visuais, além de alterações na orientação visuoespacial (dificuldade com a percepção de profundidade e a limitação da habilidade de avaliação tridimensional das coisas).

As queixas típicas de letras se mexendo durante a leitura são distorções presentes nos diagnósticos para Síndrome de Irlen.

A Fundação H.Olhos e o Laboratório de Pesquisa Aplicada à Neurovisão (LAPAN) desenvolvem um trabalho de capacitação voltado para profissionais da saúde e educação. O curso DARV – Distúrbios de Aprendizagem Relacionados à Visão, tem duração de quatro dias.

Os conhecimentos compartilhados no curso DARV permitem identificar, a partir da aplicação do Método Irlen, os distúrbios visuais causados pelo Estresse Visual.

A 35ª edição do curso acontece no dia 19 de novembro de 2020.